No hay infierno que no sea la entraña de algún cielo.
María Zambrano
I - CICLO PRIMEIRO DE SACRIFÍCIOS
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Não havia
propriamente um cenário. Luzes se misturavam, desconexas. Quadros, esboços,
situações cabíveis em divergentes relatos. Indagar sobre o passado era uma
abstração beirando o ridículo. Havia um desmazelo na atitude de cada uma daquelas
vidas. Um antes raras vezes identificado. Assemelhavam-se a uma
irrepreensível matéria bruta. Como escrever uma novela a partir daí? Repetir
incessantemente cenas, rostos, memória deixando-se envelhecer, tudo se
desgastando, aos pedaços e sem um mínimo cálculo? Ou um texto devotado à
repetição, porém contra toda forma de ascese? Primícias de nada, céleres afagos
da vertigem. Aquelas pessoas não tinham - jamais tiveram? - a pretensão de
chegar a condição alguma. Quando muito, o testemunho da própria (e ainda assim
vaga) existência, tão logo o tempo escoasse todo um ciclo de sacrifícios,
perversões, abandonos. Impossível definir o que poderemos ser aqui.
Personagens? Decerto. Porém não elegemos essa via árdua, nem viemos dar nela
por não haver outra saída. Nenhum acesso do que se é chega a explicar o que se
alcança: abismo, túmulo ou farol. Entre estudos verbais e estados oníricos, nos
mutilamos e recriamos, em estúpido e franco desatino. O que esperar de uma
novela assim? Nada. Nem se poderia. As novelas não possuem tal função. Não são
estorvos ou válvulas de estupros. Os pobres de espírito é que esperam algo de
Deus. Talvez um pérfido demiurgo, pelo acúmulo secreto de ignomínias, espere
algo do efeito da trama que lhe outorga a crédula horda. Adiantemo-nos todos
até uma próxima coxia, a esperar algo, com ar introspectivo, cientes de que o
acaso - ou mesmo um simples caso, o fato sem transcendência alguma - nos visita
com parcimônia em uma ensolarada manhã de domingo. Sentados, escreveremos uma
mesma e atônita novela de nossas vidas. Ensolarados e anônimos, não somos senão
mofo e presunção. Uma novela se faz assim? Quem tanto as lê, deverá sabê-lo.
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Primo ato. Hímen rupto.
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