domingo, 26 de abril de 2015

SOBRAS DE DEUS | Capítulo VI | Parte 31




VI - INVISÍVEIS TRILHAS


31

- Nada vem tão calmo, ao gosto de quem recebe. Prefiro a ideia de me descobrir sozinho, os limites lançados sobre mim. Não escondo nada de meu dia. Tampouco penso se acaso tal dia exprime algo. Quando alguém se empenha em defender uma razão de ser, simplesmente deixa de me interessar. O que aprendemos não o fazemos como argumento contra o ignorado. Não somos furiosos, alucinados ou equivocados. Estou perdendo a razão possível, misturando-me à voz geral. Serão os primeiros sinais de uma essência esquizoide estoica? Basta recordar Fellini: “quem deseja ser protegido, deve resignar-se a ser protegido até às últimas consequências”. O que esperar da vida senão um pomar de especulações? Febres, fantasias, devaneios, agonias. Notícias, sempre. Retaliações, subornos, fraudes. Notícias de toda forma. Dissipações, maledicências. Notícias as mais inaceitáveis. Paranoia. Notícias da mais intensa felicidade. A memória, o entendimento e a convicção jamais recorridos senão em função da notícia. O homem convertido em aviso de nada. Onde buscou proteção? Devo dar sinal de tudo o que faço, ser reconquistado pela notícia do que fui um dia. O garoto indeciso diante de tantos fogos de artifícios. A ilusão de ser que foi construindo como uma recolha de si. O frio que sentia em seu íntimo, o tremor diante de cada mínima bobagem que lhe marcava a fogo a existência. Tudo isto não podia ser apenas notícia, um frígido sinal do que se passa na alma de alguém. Detestava toda forma de submissão do homem ao enunciado de sua vida.
  

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