terça-feira, 14 de abril de 2015

SOBRAS DE DEUS | Capítulo II | Parte 3



II - CÉUS REMOTOS


3


Não recordo angústia mais latejante provocada pela asma. Ou talvez tenha sido uma ambição maior do espírito. Chafurdar-se em agonia até não poder mais entender a totalidade do céu-templo. Tornar os sentimentos uma intensidade de mal-entendidos. Há uma ironia em tudo isto: o homem se fez um antípoda de si mesmo. Julgamo-nos inconfessáveis. Não há continuidade em nossos feitos. Limitamo-nos à dor da perda momentânea, a um aniquilamento em face do súbito desenlace. Satisfazemo-nos com a melancolia, uma diaconisa da veleidade. Morto tio Eudoro, embaralho toda a minha vida. Torno-me um espectro hipócrita em fulgurante estupidez. O morto conserva o crânio de nuvens, voos de flores, um quartilho de essência a renovar-se, uma cisma, no mínimo. Um morto nunca morre em si. Como espatifar-me em pesadelo em inapreciável jogo da angústia? Uma operação confusa, a da perda de continuidade. O morto não pode ser a mobília da dor. Não há honradez nisto. Nem mesmo a memória sobrevive a tamanho desleixo.



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