VI - INVISÍVEIS TRILHAS
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Uma
entrada ali no santuário, quase sempre uma experiência falida. Cheguei a pensar
que não buscava senão o destrutível. Recordo páginas de exultante felicidade,
uns ensinamentos de eficácia em inúmeras matérias, amores confessos, solidez
projetada e refletida. Eram centenas de livros, palmos completos percorridos
por um mesmo autor. O pai colecionava notícias de guerras, empilhava jornais,
livros, mapas de cerco, anotações estratégicas.
- No avanço conta sempre a insanidade do espírito. No recuo,
salvar ao menos o corpo, ou sua imagem. Esta é a consciência da guerra, não
mais que uma das formas de anulação do ser.
Os manuais de guerra, contudo, não me despertavam maior
interesse do que as leituras do Paraíso Perdido ou Macbeth,
trechos da mitologia germânica ou das sagas de dizimação das tribos indígenas
na América do Norte.
- Toda a miséria do mundo é uma ação projetada. Em alguns
casos, por descuido. O bom de uma guerra é seu anúncio, a declaração de uma
atitude. O mundo perde em honradez quando não há guerra anunciada.
Não creio haver travado nenhuma guerra com o pai. Os livros
lidos ali jamais foram comentados. Quando raramente estava em casa e dava por
sua avidez em devorar súmulas estratégicas, estranhava que não conversasse
comigo sobre todos aqueles livros.
- A arte nutre princípios pendulares. Um leque de fraudadas
minudências.
(- O que concluir daí?)
- Quem fez tal dispersiva indagação?
(- Não sei o que diabos imaginava que o pai pudesse
significar em tua vida. Naturalmente há um encanto propício ao desejo. Aquela
verborragia de que tudo se dá em nome do desejo. E quando as coisas não se dão
bem de acordo com o desejo? Aí vem o derrame da frustração. Eu te amo. Tu não
me amas. Tu és meu desejo frustrado. Decerto serei teu amor incompreendido. Uma
fábrica de sandices. Teu pai sonhava com uma purificação sob decreto. Toda a
merda da humanidade limpa amanhã bem cedo, antes que a cidade acorde. O pai não
possui uma ideia exata do desdobramento da vida em si mesma. Talvez porque não
a arranque das entranhas, segundo a limitação do entendimento do que carrega em
si mesmo. O pai é uma grande aberração. O pai é tão pequeno que faz com que a
mãe pareça imensa.)
O tempo alimenta sua semelhança e distrai as exumações. Os
livros nos elegem, não há dúvida. Um outro santuário esboçava-se a cada livro
relido. Nas tardes de domingo, o pai abria a janela que dava para a rua e punha
a todo volume Nat “King” Cole ou Elizeth Cardoso para tocar. Aquela música
varria todos os livros para um canto. Não creio que pensasse em mim. Na verdade jamais
trocamos uma única palavra. O pai com sua música e seus livros fez de mim um
homem estranho por muitos anos, alguém que contrariou a própria natureza e não
quis tocar em nada. Até
que um dia o filho foi tomado de assalto: o pai não faz o filho ou o filho mal
cabe no pai? Chão pisado, marcado. Não há como fugir do passo adiante. Não é
outra a sofreguidão da semelhança.
Sem que nos encontrássemos nunca, fomos nos completando
através das leituras.
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