quinta-feira, 16 de abril de 2015

SOBRAS DE DEUS | Capítulo III | Parte 14


III - MARGEM IMPERTURBÁVEL DO SILÊNCIO

14

O menino chorava acaçapado e nu ao lado do último dos três tanques de peixes. Afundava-se em choro e medo. Não tinha a mínima ideia de que espécie de fronteira havia cruzado. Dele aproximava-se, ajeitando a roupa sobre o corpo suado, Mãe Dolores. A figura já não lhe era mais um atrativo. A essência, agora, emanava o mais simples terror. Pequeno Ansioso humilhava-se ainda mais junto ao lodo que de muito residia naquelas paredes. Miudeava ali todas as formas do pânico. Revelava-se a ele um outro caráter do êxtase, ao tempo em que ruminava um verdadeiro conhecimento do exílio.
- O que houve, meu menino? O que eu te fiz?
Mãe Dolores era toda estonteante. Não dava por um mínimo do havido. O menino não fazia senão chorar. Levaram nisto uma eternidade. Uma náusea vociferava por todo o tablado. Os peixes nos tanques. As frutas nas árvores. O incerto tempo em si mesmo. Onde então estivera Mãe Dolores quando nela estivera Pequeno Ansioso? E onde estivera ele? Para onde fora quando lhe fisgou o desejo? E o que lhe parecia ainda pior: estaria fazendo as perguntas certas? Tal inquirição acaso não seria um desvio, artimanha, uma falsa luz? Foi-se acalmando e veio até ela, derramar-se no colo. Dissimulavam-se as verdades mais translúcidas. Mãe Dolores brincava com a mão em seu rosto. Dava-lhe um seio para o afago, pedinte. Apertava-lhe o nariz. Pedia que lhe mordesse o lábio. Os dois enchiam-se de fraquejos.
- Eu não te faria mal algum.
Dizia isto e lhe entrançava os dedos no sexo.
- Quantos são os dedos? Quero em mim apenas o que é teu.
Deitou o menino no chão e lhe cobriu com o corpo. O vestido deixado ao lado, pôs-se a remexer-se em convulsiva aleluia. Apenas os dois. Até o fim.



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