IV - ALGUM SILÊNCIO VINDO DAS MARGENS
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- Por que
não veio hoje o tio Alfredo?
Alguém se apressava a dizer que estava doente.
Era o suficiente. Porém a resposta não bastava ao menino, já de muito
acostumado a guiar-se por um ouvido interno. Desandava a falar só, em largas
passadas por toda a casa.
- Choro porque choro, e da mesma forma o faço
quando me agito nas melhores risadas. Quantas mães tenho? Sei que quase não
vejo meu pai, embora deguste sua herança livresca e casual com amiudada veneração.
- Sai daqui, gabiru. Me deixa arear as panelas.
- Quantas mães? Tenho crescido em um mundo
enevoado, onde êxtase e tragédia tendem a confundir-se. Devo ter mil delas, que
se afastam e se misturam a mim quando menos percebo. Tenho tantas quanto casas.
Quanto livros.
- Sai daqui, fuleiro. Me deixa benzer os santos.
- Não me dou descanso em morada alguma. De tanto
ir e vir, por vezes me deparo com objetos deslocados ou suponho entrar em
cômodos disfarçados. A isto não tomo por infortúnio ou penar. Decerto que são
sorrateiros os disfarces de uma casa em outra. Tempo e lugar comungam em burlescas fulminações.
- Sai daqui, meloso. Me deixa cerzir os
rasgados.
- Também com as mães não reconheço pecado ou
vaidade. Não são reflexos do espanto ou representações da agonia. São todas
elas, indo e vindo em sevícias e consumição. E, como mães, lançam-se todas ao
vazio. Não há imensidão engendrada ou capítulo extraviado de uma doce vida.
Confundem-me, é certo, bem mais que cômodos e vasilhas.
- Sai daqui…
O garoto parecia não suportar a falta de Alfredo
Aquilino. Sabia que o tio não estava doente. Se não veio naquela manhã, decerto
estava amarrado ao leito de uma clínica por cordas e remédios. Por que lhe
mentiam? E por que tanto empenho em enlouquecê-lo?
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